sábado, 16 de junho de 2012

O colecionador de passados


"Ele guarda pertences há meses, anos, e quem sabe décadas. Não disse o nome, e se incomodou em revelar mais de si. Quantas pessoas ao nosso lado armazenam segredos e não desejam compartilhá-los com ninguém?"



É bom termos os olhos aguçados para a simplicidade do dia a dia e que sempre passa de esguio por nós, porque são eles que nos fazem dar e ter atenção a elas.

Sempre que passava por uma tranquila rua próxima à minha residência, ouvia vindo de uma certa casa, um som de televisão ligada ou uma voz masculina sussurrando alguma coisa.

Tudo normal, a não ser pelo fato de olhar e não ver absolutamente nada, salvo uma casa bastante simples e certamente inóspita, pensava eu, e pensaria assim você também, porque da pequena casa “flui”, como galhos de árvores, ferros retorcidos pela janela quebrada e gradeada, pedaços de madeira, placas de trânsito quebradas, anúncios antigos, plásticos e tantas outras ‘tralhas’ – se é que temos o direito de denominar assim os pertences alheios – que você puder imaginar.

Por isso a admiração.

Quem moraria naquele lugar? Quem colecionaria inúmeros objetos aparentemente sem valor?

Passando novamente pelo lugar, outro dia, um senhor trajando terno e calça jeans, com uma sacola plástica na mão, trancava a porta quase desaparecida em meio a diversas barras de ferro e madeira depositadas horizontal e verticalmente. Não resisti e lhe perguntei se morava ali.

Desconfiado, logicamente, o senhor de fios grisalhos e que até lembram a famosa cabeleira de Einstein, limitou-se a dizer apenas que não, que “apenas guardava as suas coisinhas” naquela casa. Simpático, ou talvez defensivo, perguntou-me se morava perto, se era professora de uma escola próxima, ou, em outras palavras, talvez quisesse retrucar: “Por que você quer saber da minha vida, sua intrusa?” Mas isso ele não falou.

Porém, talvez, tenha pensado; talvez ele quisesse dizer. No entanto, respondendo-o, também limitei a curiosidade dizendo que morava sim, perto, e que não era professora. Ele me olhou, tentando falar algo a mais e eu querendo ‘arrancar-lhe alguma frase além’, mas, não haveria sentido. Não haveria por que tentar saber sobre alguém que gosta de colecionar passados seus e alheios, e que pouco quis saber da pessoa que lhe importunara.

E pelo respeito mútuo fomos embora. Segui o meu caminho com a amarga curiosidade jornalística coçando a minha orelha, e ele agradeceu – não sei se pelo fato de ter parado e puxado uma conversa no caminho para o trabalho, ou porque alguém se importou em saber que passado tão interessante é este do qual não deseja se desfazer. Mas isso, quem sabe, um dia descobrirei.

Para refletir

“São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso.”Mateus 6.22

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