As festas de final de ano foram feitas para descanso e confraternização, mas acabaram virando motivo de transtornos, consumismo desenfreado e mais uma entre as muitas pressões do dia a dia
Natal e Ano Novo lembram confraternização, paz, harmonia. Só que com o tempo, para muita gente, viraram sinônimo de correria, desgaste e muito estresse. Preparativos para as festas, compras de presentes em shoppings e ruas lotados, dívidas e muito mais acabam por transformar uma das épocas mais especiais do ano em uma das mais onerosas e cansativas.
E não é só isso. Muitas pessoas sentem-se angustiadas e tristes, algumas vezes pela pressão externa dos conhecidos e da mídia, que pregam aquelas famosas famílias de propaganda de margarina em que tudo tem a obrigação de sair perfeito e todos se amam indiscriminadamente. Quem vive sozinho, ao invés de pensar no bonito significado da data ou de simplesmente descansar nos feriados, acaba por se deprimir.
Em suma, onde está o Natal de verdade? Como curtir as festas de fim de ano sem a carga de estresse que colocaram nelas nos últimos tempos? Como não cair em depressão por não pertencer a um “modelo” pré-estabelecido de festejos? Cecília Zylberstajn, psicoterapeuta de crianças e adultos em São Paulo, dá dicas bastante interessantes, como viver as festas conforme a sua realidade, e não as de padrões batidos, ou até mesmo reinventá-las – o que, para ela, é um exercício muito valioso para a mente e deve ser feito em vários momentos da vida.
A especialista, que se destaca em seu trabalho como psicodramatista (profissional que usa a interpretação dramática como forma de abordar o problema do paciente), faz uma descrição do tempo bem interessante, totalmente cabível com os sentimentos comuns ao fim do ano. “Você olha o calendário ao longo de todo o ano, mas não necessariamente o vê, não dá muita atenção. Os ponteiros das horas andam tão vagarosamente que parecem parados, assim como os dos minutos. Já o ponteiro dos segundos, você pelo menos vê se mexendo, e tem mais uma noção de que o tempo passa. É algo mais imediato, mas que também é esquecido rapidamente. O final do ano faz com que você perceba que aquele calendário que viu o ano todo está acabando, as decorações e propagandas de Natal começam a aparecer e tornam as ruas e casas diferentes. É como um soco no estômago! Você finalmente tem noção de que o tempo está passando, como não tinha antes. Você só sentiu isso por um motivo muito simples: parou para olhar.”
“Lente de aumento”
No âmbito familiar, os festejos de Natal e Ano Novo às vezes são a única chance no ano de reunir toda a família. “E os festejos têm um poder de ‘lente de aumento’ em relação aos acontecimentos, tanto para o lado bom quanto para o ruim”, diz Cecília. Algumas famílias têm o seu primeiro Natal ou Réveillon sem um parente que perderam recentemente, e aquele momento difícil parece ainda mais difícil. Pessoas solitárias têm uma impressão de que a solidão aumentou. “É mais ou menos como o Dia dos Namorados, que só é legal para quem namora”. Fora isso, a especialista adverte sobre as pressões da mídia, que parece ditar que todo mundo é obrigado a ser feliz, que as famílias são perfeitas, o que nem sempre corresponde à realidade. “Mas uma reflexão sobre essas coisas nessa época, que pode até ser sofrida, também pode ser produtiva.”
Reinventar o Natal
Outra história mais recente, o filme “Surpresas do Amor” (que se tivesse um título mais de acordo com a tradição literal seria muito mais feliz: “Quatro Natais”), mostra um casal que também planejava uma viagem a dois. Mas todos os voos são cancelados e eles têm que se desdobrar para conseguir passar o Natal com os quatro casais formados por seus pais que se separaram e se casaram pela segunda vez.
E no “padrão” de Natal do capitalismo existem os gastos. Será mesmo que é necessário se endividar por causa das festas? “Sempre que você quer fazer algo de acordo com sua real capacidade financeira, tem muita chance de dar certo. Ninguém deve ficar se comparando a outra pessoa, se seu irmão comprou um presente melhor para o filho dele e você deu algo simples para o seu, se a casa do vizinho está mais enfeitada que a sua e outras coisas assim.” E a psicóloga tem uma colocação muito curiosa, algo em que se pensar o ano todo: “O modo de uma pessoa lidar com o dinheiro mostra muito sobre como ela lida com a realidade, sobre o seu jeito de ser em vários aspectos de sua vida.”
Cada ano de um jeito
O mesmo acontece com o Réveillon, conforme a psicodramatista: “Muita gente costuma viajar, passar a festa de Ano Novo em lugares diferentes. Se neste ano não deu para viajar, quem disse que passar a virada em casa tem que ser ruim?” O mais importante é estar “com quem você gosta de celebrar a vida”, segundo Cecília.
A família, por seu lado, também deve entender se algum parente escolheu as festas de um jeito diferente do tradicional. Se um casal viaja ao invés de se reunir com os pais dela ou dele, todos têm de respeitar isso. As pressões sociais são grandes nessa época, e não precisam ser. “Quando você percebe quantas possibilidades você tem para fazer um Natal diferente, se espanta. Mas sempre teve. Mesmo que isso entre em conflito com a cultura estabelecida”, diz a psicóloga.
Resgate
Não se prendendo a detalhes que pareciam mais importantes do que eram, usando a imaginação, gastando só o que puder (se puder), em família, sozinho, a dois e várias outras formas podem fazer com que o Natal volte a ter o seu significado real: além da festa para o aniversariante da data, uma época em que tudo fica mesmo diferente e podemos tirar de nós o melhor. Fazer com que algumas famílias ou pessoas tenham um Natal menos triste e limitado, mas com os pés na realidade. Respeitar quem quer ficar em casa sozinho ou convidar quem não quer isso. Curtir a família, se essa for a vontade de todos.
Vale curtir também os preparativos, que não precisam ser obrigação e nem uma fonte a mais de estresse. Afinal, o clima natalino não se resume somente ao 25 de dezembro. Há toda uma preparação para o Natal que não precisa ser somente ligada a consumismo, gente se acotovelando em lojas, rodoviárias e aeroportos, se endividando e tendo que gastar mais no ano vindouro com terapia por causa de algo que deveria fazer bem.
Sim, desfrutar de tudo o que o bom Natal significa ao longo do último mês do ano, pois, como bem diz a sabedoria popular, “o melhor da festa é esperar por ela”.
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